Entre horrores e decepções

Mal sabíamos das dimensões de sua importância. Especialmente para seus circunstantes.
A frase em epígrafe refere-se à FAFICH, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), então localizada na Rua Carangola, em Belo Horizonte. Área nobre da Capital.
O tempo seria os anos 1980, uma "década perdida" do ponto de vista econômico, um cipoal de esperanças, sonhos e expectativas, na seara política e cultural. Seria, também, um interregno entre horrores e decepções.
Então, mal sabíamos das características dessa sentença. A FAFICH congregava, na-quela época, os cursos de Filosofia, História, Sociologia e Antropologia, Psicologia e Letras, além do "nobre" Departamento de Ciência Política.
Um dos poucos cursos de Mestrado disponíveis no Brasil, à época, com históricas conexões com a Fundação Ford e universidades do porte de Harvard, Berkeley, Princeton, Columbia, entre outras, por onde transitaram (e então transitavam), muitos de seus professores.
E para onde sonhavam ir alguns de seus alunos. A FAFICH, mais do que uma ilha, ou trincheira, se constituía em verdadeiro arquipélago, refúgio, bastião, fortaleza, ou coisa que o valha, a enfrentar a mediocridade, em geral. Ali estava a vanguarda do pensamento crítico.
Associada à arrogância que só a juventude, a ingenuidade ou a inexperiência, per-mitem. Fora disso, seria pura burrice.
Disposição crítica, essa, que podia ser vista no interior de seu muros, auditórios e salas de aula, no Bar do Gordo (não havia, então, o tal "politicamente correto"), nas festas, onde se comemorava a diversidade, ou nos seus magníficos eventos acadêmicos.
Castoriadis, Foulcoult, Florestan Fernandes, artistas, diplomatas, imortais da Academia e celebridades, entre outros intelectuais desse porte, eram familiares na FAFICH.
Além dos muitos eméritos "faficheiros". Nesse período, deixávamos para trás os horrores da ditadura, pós 1964, e avançávamos rumo à democracia, concluindo os últimos movimentos da Abertura Política.
Era só alegria. Apesar de pobres, com poucas opções profissionais, sofrendo a maior inflação de nossa história, acreditávamos que a vindoura democracia, por si só, despertaria o que havia de melhor no Brasil.
O gigante, "deitado em berço esplêndido", finalmente despertaria. Embalado, então, pelas liberdades democráticas. Ledo engano.
A herança histórica se faria maior, e definitiva, emulada pelos condicionantes estruturais da so-ciedade brasileira. E pelas eternas limitações da espécie humana.
Vivíamos um sonho à beira de um pesadelo político, que hoje apre-senta suas formas, suas garras e a podridão de sua natureza.
Tanto à esquerda quanto à direita. Cultura e democracia, "palavras de ordem" poderosas então, deram lugar ao presente domínio político da escória, moral e intelectual.
As manifestações culturais majoritárias, por sua vez, são de tal ordem que não merecem, sequer, lamentos. Poze do Rodo que o diga. Ou um "influencer" qualquer.
Alguns chamam essa ausência de opções, marcada pelo esgoto cognitivo, de "polarização". Que, popularmente, pode ser descrita como a opção entre "o fogo e a frigideira".
Ou entre "a cruz e a caldeirinha". E hoje se resumiria na rejeição, "ampla, geral e irrestrita", a seus principais representantes.
A última pesquisa Quaest, divulgada na primeira semana de junho de 2025, informa que 66% dos eleitores são contra uma candidatura Lula, enquanto 65% rejeitam Bolsonaro.
Empate técnico da porcaria. Com a inelegibilidade de Bolsonaro, o fenômeno da doença Lula, alimentando a patologia Bolsonaro, e vice-versa, poderá ter fim.
Mas subsistirá a decepção, em geral. Ou como disse Erasmo Carlos: "desilusão, meu bem...".
* Marco Antônio Andere Teixeira é historiador, advogado e cientista político, cursou História, e Mestrado em Ciência Política, na FAFICH/UF-MG, nos anos 1980. No mesmo período, estagiou na FACE (Faculdade de Ciências Econômicas), da UFMG, tendo também sido Conselheiro-Titular da Coordenação de Ensino e Pesquisa, daquela Universidade
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