Da necessidade que o brasileiro tem de ter um herói

Jul 3, 2025 - 13:52
Da necessidade que o  brasileiro tem de ter um herói

Todos os dias de manhã, casualmente o brasileiro nato já pensa em acordar com o pé direito ou já fazendo aquela mandinga básica pedindo para o santo protetor ajudá-lo em mais uma empreitada rotineira. 

Cotidianamente ele acorda esperando um milagre ou um acontecimento extraordinário que nos dias atuais pode vir de alguma imagem na rede social ou por uma mensagem de WhatsApp pois a mão, antes mesmo de abrir os olhos, já se lança ao aparelho celular automaticamente. 

Como os problemas não vão de-saparecer assim de uma hora para outra, ainda mais em um país como o nosso em que culturalmente eles são “empurrados” para frente, a figura do salvador ou salvadora, do herói ou heroína, se faz presente no imaginário popular de forma até insana e sonhadora. 

Mas quem irá de fato resolver os problemas estruturais que existem em qualquer cidade deste país? A figura mítica que vai solucionar tudo, desde o buraco na rua, a corrupção, o preço da gasolina, o fim do time na lanterna que está péssimo no campeonato e até a vida amorosa falida. 

Quem poderá nos ajudar? No futebol, a maior expressão brasileira, espera-se o Camisa 10, que pode ser da base ou do exterior, pois a figura resolvedora não precisa ser necessariamente nacional. 

É ele a promessa de que desta vez o time será campeão. A torcida grita o nome antes mesmo dele tocar na bola e se na estreia faz um gol , pronto:  Zico, Pelé ou Romário. 

É o novo messias com a chuteira. Agora se o tempo passa, rodadas após rodadas, sem marcar um único gol , ele será o novo traidor, um vagabundo sem eira e nem beira, uma invenção da imprensa. 

E assim o brasileiro lida com esse sentimento de exigir do outro, depositando suas expectativas em terceiros. 

Que venha outro salvador ou craque, porque na cabeça da cultura popular, nunca é o time inteiro ruim, o técnico fraco ou calendário horrível. 

Até porque pensa: em 1994 o Romário ganhou sozinho e em 2002 o Ronaldo Fenômeno ganhou sozinho e então, porque não esperar o próximo? 

Na música, outra grande expressão cultural, a salvação virá com um nome com duas vogais ou consoantes junto ao nome, podendo rebolar ou saltitar, seja qual gênero for, pois o que se espera é alguém que “revolucione” tudo - mesmo que só troque o batidão por refrão chiclete. 

E aí? Quem liga? O brasileiro clássico quer alguém que o distraia, que o represente, que cante por ele, por um tempo. 

Depois joga fora, porque o novo herói ou a nova heroína só servirão até o próximo viral. Mas é na política que o fetiche por salvador ganha contornos patológicos. 

O brasileiro não quer votar. Quer delegar. “Passar para frente” como dizem os jovens. Quer um “pai autoritário”, uma “mãe carismática” ou um “tio maluco do zap” que fale grosso, dando uns tapas na mesa e que “faça acontecer”. 

Pouco importa se sabe governar. O importante é parecer que vai resolver. Aí se elege o salvador prometendo mundos e fundos, até mesmo a cura da ressaca do Carnaval. 

Mas alguém no meio disso tudo perguntaria: mas e o povo? Acredita - sempre acredita - porque pensar cansa e duvidar, questionar, estudar dá muito trabalho e atrapalha a cervejinha e o bate-papo com os amigos. 

O milagre, este ato que o brasileiro popular sempre espera, vem com cláusula de arrependimento pois se nada acontecer como uma bomba nuclear explodindo e mudando os rumos da nação assim como num instalar dos dedos, o ser divino vira enganador e em seis meses ou um ano vira, se torna culpado por tudo.

Assim aquela mesma alegria de antes agora é uma raiva bestial, iniciando tudo de novo voltando para a fila. Porque senso crítico? Isso atrapalha o encantamento e o brasileiro está longe de en-tender que a democracia não tem herói. 

Tem trabalho, cobrança, responsabilidade, transparência, prestação de contas e in-teresse coletivo. É mais fácil torcer, esperar que alguém resolva, que apareça um salvador da direita ou da esquerda. Existe uma necessidade periclitante de ser salvo esquecendo-se de que na vida real os heróis não usam capa.

Quer se emocionar. Quer o milagre da Quarta-feira de Cinzas sem ressaca e sem arrependimentos. Enquanto isso, seguimos esperando o próximo salvador ou salvadora, com frases de efeito, muito bem vestido, promessas embaladas a vácuo, falas com convicção, abraçando as pessoas e beijando bebes. 

Aqui no Brasil, o senso crítico ainda está em pré-venda e o frete, como sempre, é por conta da esperança.

* Eugenio Adami é aAdvogado, contabilista e escritor

 

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