Orçamento impositivo e a ditadura parlamentar

Fev 4, 2025 - 09:57
Orçamento impositivo e a ditadura parlamentar

O debate sobre o orçamento impositivo, no qual o presidente, governadores e prefeitos são obrigados a realizar despesas oriundas de emendas parlamentares ao orçamento, está restrito aos limites da intromissão do Legislativo em decisões que, constitucionalmente, pertencem ao Executivo. 

Entretanto, esta discussão tem que ir além. Como ligeiro conceito, uma ditatura é caracterizada por ausência de democracia, baixa ou nenhuma participação popular, exercício de poder por uma pessoa ou grupo de pessoas e falta de rotatividade no exercício do poder. 

Também em conceito ligeiro, o orçamento público - Lei Orçamentária Anual - é uma lei autorizativa discutida e aprovada no parlamento. Determina o artigo 165 da Constituição Federal que Leis de iniciativa do Poder Executivo (!) estabelecerão o Plano Plurianual, as Diretrizes Orçamentárias e o Orçamento Anual. 

O PPA - plano plurianual estabelece as diretrizes, objetivos e metas estratégicas da administração pública por um período de quatro anos. A LDO - Lei de Diretrizes Orçamentárias - define prioridades de governo para o ano subsequente e diretrizes para a elaboração da LOA - Lei Orçamentária Anual, que é a lei que autoriza a arrecadação e o quadro de despesas do município. 

Destaque-se que a LOA se baseia na LDO, en-quanto essa obedece ao PPA. Assim, o mo-mento para o debate e proposição de emen-das gerais se dá na tramitação da LDO e as emendas específicas se dão durante o processo de discussão e aprovação do Orçamento. 

Rigorosamente, nenhuma emenda ao orçamento pode destoar das diretrizes orçamentárias, bem como estas não destoam do PPA. 

Durante o exercício do mandato, o chefe do Executivo deve ter flexibilidade para aplicação da lei orçamentária, autorizativa, em função de fatores imprevistos como queda na arrecadação, extinção de programas, urgências, emergências e oportunidades - sempre nos marcos do que foi aprovado pelo Legislativo. 

Qualquer alteração deve ser precedida de autorização legislativa. Deputados, senadores e vereadores sempre apresentaram emendas ao orçamento, mas sempre coube ao chefe do Executivo a avaliação das emendas por critérios de racionalidade, razoabilidade, oportunidade e necessidade. 

As emendas impositivas em regime presidencialista é um ato de força porque exige que o poder executivo faça a despesa imposta, independentemente das condições orçamentárias reais. 

Ou seja, se houver uma queda na arrecadação, o presidente, governador ou prefeito “paga” primeiro as emendas impositivas e administra a sobra. Isto fere de morte a autonomia e a independência dos poderes. 

Avançando para um campo pouco debatido sobre o papel e o poder das emendas impositivas, destaco que tal conduta afronta a democracia porque o patrocínio das emendas favorece o patrono. 

Deputados, senadores e vereadores com tal poder dificilmente perderão eleições, comprometendo a rotatividade e renovação de lideranças políticas. 

Mais, as emendas imposi-tivas não só comprometem a renovação parlamentar, como também a renovação no executivo. Um prefeito e governador premiados com emendas de execução orçamentária dificilmente perdem eleições. 

A perpetuação no poder, por uma pessoa ou grupo, é uma forma clara de ditadura. No Brasil, na última eleição municipal, mais de oitenta por cento dos prefeitos que disputaram eleições foram reeleitos. 

Dos dezesseis prefeitos do Amapá, base eleitoral do novo presidente do Senado, quatorze foram reeleitos. 

Para finalizar, é voz corrente que a Câmara Municipal de Poços de Caldas pretende adotar este formato de emendas em nossa cidade. 

Quero alertar que, além do grave comprometimento na autonomia do prefeito, esta medida tem caráter e objetivo meramente eleitoreiros, uma forma de permanecer na Câmara de Vereadores eternamente - ao invés de uma atividade política de interesse público, uma sinecura até a aposentadoria e além dela. 

Dá para imaginar emendas distribuindo uniformes e bolas de futebol, recursos para blocos carnavalescos e instituições, de pouca ou nenhuma representa-tividade, ligadas ao próprio parlamentar. 

A emenda impositiva é um desastre ferroviário na democracia brasileira e, em uma cidade do porte de Poços de Caldas, é incentivo a compra de voto na veia, sob a luz do dia, sem nenhum pudor, sem precisar esconder da Justiça Eleitoral.

* Paulo Tadeu é ex-prefeito de Poços de Caldas, ex-vereador e presidente do Diretório Municipal do PT

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