Conto adulto faz um mergulho sombrio na Nova York dos anos 80

Nov 3, 2025 - 14:43
Conto adulto faz um mergulho sombrio na Nova York dos anos 80
Benedict Cumberbatch como Vicent, durante a busca ao filho desaparecido, junto ao monstro imaginário Eric

Uma das séries mais interessantes que assisti na Netflix nos últimos tempos foi "Eric" (2024), uma história de suspense sobre o desaparecimento de uma criança que faz um mergulho visceral na decadência e no brilho pulsante da Nova York da década de 1980. 

A trama foca em Vincent Anderson (interpretado magistralmente por Be-nedict Cumberbatch), um talentoso e volátil ventríloquo e criador do programa infantil de grande sucesso, que entra em colapso mental após o sumiço de seu filho de nove anos, Edgar. Aqui, a referência a Vila Sésamo é inevitável.

Atuações e o monstro interior
O grande motor da série é a performance intensa de Benedict Cumberbatch. Vincent é um homem autodestrutivo, cheio de falhas e toxicidade, mas cuja dor e desespero se tornam palpáveis a medida que os episódios avançam. 

É uma atuação que equilibra o brilho criativo do gênio criativo com a paranoia e a culpa de um pai em crise. 

Toda essa complexidade dramática é elevada com a manifestação do boneco imaginário, Eric, um monstro azul desenhado por Edgar, o filho desaparecido. 

A presença do boneco imaginário, em um primeiro momento, pode até sinalizar que a trama descambe para um lado mais infantilizado. Ledo engano. 

O fato de Vincent começar a ver Eric em toda parte funciona como uma poderosa metáfora visual para seu surto psicótico, sua consciência atormentada e sua luta para se reconectar com a inocência e o amor do filho. 

O boneco gigante é o que dá originalidade à série, que consegue manter a credibilidade graças à profundidade da atuação. 

O elenco de apoio também ajuda muito. McKinley Belcher III como o detetive Ledroit, que lida com o racismo e a homofobia disfarçada dentro da própria polícia, adiciona camadas vitais sobre corrupção e desigualdade social na cidade. 

Gaby Hoffmann também se destaca como Cassie, a esposa de Vincent, que vive o luto e a dor do filho desaparecido.

Ambientação analógica e trilha sonora 
A série é um deleite visual para quem aprecia a estética dos anos 80. A ambientação capta perfeitamente a Nova York da época, marcada pela violência, corrupção, desigualdade social e a epidemia de AIDS. 

Túneis de metrô e becos escuros servem como alegorias para a "podridão" escondida sob o verniz social.

A trilha sonora e a presença de cenas de boate reforçam a atmosfera cultural efervescente da época, banhada por música dance, que atua como um pano de fundo para as tensões da investigação e da crise familiar. "Supernatural", de Cerrone, foi uma das melhores descobertas que tive com a série. 

A direção, muito precisa, consegue conciliar o thriller de investigação com o drama familiar e o elemento fantástico do monstro. 

O que convenhamos, não é nada simples. "Eric" vai além do mistério, tornando-se um conto moral adulto sobre a busca pela luz na escuridão da existência humana. Vale muito a pena assistir. 

* João Gabriel Pinheiro Chagas é diretor do Jornal da Cidade 

 

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