"Steve": colapso e falta de redenção na relação professor-aluno
O filme "Steve" (2025), produção da Netflix e estrelado por Cillian Murphy, mostra que o colapaso educacional e social não é exclusividade de países em desenvolvimento.
Países tidos como desenvolvidos e integrantes do "Ocidente" também enfrentam suas mazelas e é isto que nos mostra essa produção.
"Steve" não é apenas um drama sobre a crise na educação, mas um retrato visceral do esgotamento institucional e humano de quem lida com educação.
Ao centrar-se em Steve, um diretor de reformatório na Inglaterra dos anos 1990, o filme se distancia dos clichês de superação e redenção, oferecendo uma visão crua e desconfortável da exaustão profissional e da fragilidade emocional.
A ausência do clássico "salvador"
Em uma comparação inevitável com filmes sobre a relação professor-aluno, como "Sociedade dos Poetas Mortos" ou "Ao Mestre Com Carinho", "Steve" subverte completamente a fórmula.
Nestes clássicos, o professor é o herói carismático que, através de métodos não convencionais, consegue resgatar e inspirar jovens "problemáticos".
Há ainda muitos outros filmes que poderiam ser citados além destes. Mas em "Steve", não há salvador. O protagonista, interpretado por Murphy em uma atuação contida e angustiante, está à beira do colapso.
Aqui, a escola não é um palco de transformação idealizada, mas um microcosmo da falência social, onde profissionais e alunos tentam sobreviver a um sistema projetado para falhar.
A relação entre Steve e o aluno Shy (Jay Lycurgo), por exemplo, não busca uma salvação mútua, mas apresenta uma dependência desesperada:
Shy precisa de uma âncora para frear seu impulso autodestrutivo, e Steve, em seu burnout, busca uma razão para continuar lutando contra o inevitável fechamento da instituição, para guiar os alunos e até mesmo para se salvar. É algo poucas vezes visto em filmes deste gênero.
O espetáculo da dor
Um dos aspectos mais marcantes do filme é a inserção de uma equipe de TV filmando um documentário dentro da escola.
Este dispositivo narrativo reforça o tom documental e realista do drama. Ele nos faz questionar a autenticidade dos gestos, expondo a tensão entre a realidade caótica e a necessidade de "performar" o controle para as câmeras.
O recurso documental acentua a situação mais crua e desesperançosa da narrativa. Ele coloca o espectador diante da espetacularização do sofrimento.
Ao ser solicitado pela entrevistadora para dizer três palavras sobre si mesmo, ele revela toda sua angústia: "muito, muito cansado".
A recorrente apresentação de violência gráfica e bullying entre os alunos reforçam o estado de tensão em boa parte do filme.
Burnout e dependência
O filme mergulha na temática do burnout profissional e emocional. A exaustão de Steve é palpável. Ele lida com a pressão da gestão, os problemas pessoais e a tentativa incessante de manter a empatia viva em um ambiente hostil.
Sua luta para salvar Shy é quase uma tentativa de redenção indireta de sua própria vida. "Steve" é um filme sobre dores não ditas, sobre o limite da força humana em face da indiferença institucional e da própria incapacidade de se curar.
É uma narrativa que oferece mais ambiguidade em vez de respostas fáceis. É um drama psicológico intenso, fundamental para refletir sobre a saúde mental dos profissionais da educação e o destino de jovens à margem da sociedade.
* João Gabriel Pinheiro Chagas é diretor do Jornal da Cidade
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