Transporte público: entre a fraude e a utopia

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No dia 01/08, as manchetes da imprensa Poços Caldense foram marcadas pela solicitação, por parte do Ministério Público de Contas do Estado, de que seja sustado o contrato de transporte público entre a Auto Omnibus Floramar e a Prefeitura de Poços de Caldas, sob alegação de manobras para favorecimento da empresa e formação de cartel.

Chamou bastante atenção o fato de o prefeito Sérgio Azevedo (PSDB) e alguns secretários terem sido apontados pelo MP como responsáveis por atos que colaboraram para a fraude.

O evento se soma a uma série de outros episódios turbulentos envolvendo o transporte público no município que ocorreram nos últimos anos.

Longe de serem casos isolados, evidenciam um problema no modelo de mobilidade urbana predominante na imensa maioria do país, com a concessão do serviço para empresas privadas.

Os resultados são conhecidos por todos: tarifas que se tornam mais caras a cada ano, linhas insuficientes para atender às necessidades da população, manobras para descumprir a legislação – como no caso do meio-passe aos estudantes de graduação em Poços de Caldas – e, claro, empresas com lucros cada vez maiores.

Exatamente dez anos atrás, em junho de 2013, o país foi tomado por manifestações como não se via há muito tempo. O estopim para esse ciclo de lutas foi o aumento das passagens de ônibus em várias cidades.

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A reivindicação por passe livre, que defendia o transporte como direito – e que, portanto, deveria ser gratuito – tomou o debate público.

Não foram poucos os que, à esquerda e à direita do espectro político, apontaram o caráter supostamente utópico e impraticável dessa proposta.

Dez anos depois, o passe livre vem se tornando realidade. Atualmente, já chega a 78 o número de municípios brasileiros que adotam gratuidade total no transporte urbano, atendendo cerca de 3,6 milhões de pessoas.

São cidades com diversos tamanhos e realidades, de porte médio, como Caucaia-CE (368.918 habitantes), Ibirité-MG (184.030) e Maricá-RJ (167.668), e pequeno, como Tietê-SP (42.517) e Belo Vale – MG (7.816).

Diferentes modelos de financiamento são adotados, desde receitas extraordinárias até a criação de contribuições sociais sobre o transporte individual motorizado. O passe livre tem muitas vantagens.

É mais sustentável social e ambientalmente, colabora para a melhoria da mobilidade urbana e para a qualidade de vida da população.

Tudo isso, claro, ao preço de contrariar os grandes interesses dos cartéis que lucram com o transporte, que deveria ser um direito básico, conforme manda a Constituição Federal.

Vivemos em uma cidade distópica. A privatização de espaços públicos, o corte de árvores e a gentrificação das áreas centrais são vendidas como modelo de progresso.

Enquanto o prefeito e os grandes interesses privados que representa passam a boiada, o campo progressista bate cabeça, sem conseguir dialogar com grande parte da população.

As eleições municipais se aproximam. Se houver coragem, talvez a utopia do passe livre seja nosso passaporte para ampliar o diálogo rumo a uma cidade como direito, e não como mercadoria. É possível viver em uma cidade sem catracas.

* Rafael Martins Neves é historiador e mestre em educação