Escola no mundo

A pedagoga Ana Paula Ferreira destaca que precisamos dos desafios e da ousadia

A pedagoga Ana Paula Ferreira destaca que precisamos dos desafios e da ousadia para alargar nossa perspectiva para analisar o que acontece ao nosso redor.

Paulo Freire, um dos grandes educadores brasileiros, salientava a importância da leitura de mundo e até hoje sua voz ecoa para nos fazer lembrar que não basta a leitura da palavra. Quando os alunos saem da sala e partem para o mundo eles leem os sinais de trânsito, as fisionomias das pessoas, o comércio, os problemas ambientais e sociais e tudo quanto o mediador, que é o professor, orientar a ver.

O que era despercebido por um transeunte comum que passa pelas ruas sem notá-las ganha outro apreço por aqueles que começam a se sensibilizar com o que antes era banal.  Por fim, mesmo que o professor não direcione, os próprios estudantes começarão a enxergar um bueiro entupido, uma rua esburacada, um terreno baldio invadido pelo lixo, um telefone público quebrado e passarão a refletir sobre o seu papel no mundo diante de várias questões: O que acontece diante desses problemas? A quem atrapalha? Como se pode evitar?

Quem são os responsáveis pela conservação e fiscalização? Como se pode acionar para que cumpram essa responsabilidade? Ao iniciar o aprendizado de leitura e escrita o aluno inicialmente vê o que é mais comum e numa palavra tal qual BEXIGA, a Beatriz enxergará o BE, a Isabela o I e a Gabriela o GA. Assim ocorre na nossa visão de mundo: estamos presos no corriqueiro e precisamos dos desafios e da ousadia para alargar nossa perspectiva. Daí a importância da leitura.  Lemos para interpretar, compreender, contribuir na formação de nossa consciência e de criticidade.

Ler o mundo é uma prática que tal qual a alfabetização deve ser um processo ensinado, no qual se possibilita a reflexão do chão onde se pisa, valora a luta dos seus e ao mesmo tempo compreende as denúncias e discordâncias que devem ser feitas. É um caminhar porque leitura de mundo não pode ser imposta, não se aprende por mera absorção. Faz-se no dia-a-dia com criação de possibilidades que levem ao questionamento, recordando sempre que a escola está no mundo e o aprender deve servir para alterar o convencional, superar preconceitos, medos, mazelas e as ignorâncias de toda ordem.

Alterar o convencional pode iniciar-se com sair da sala de aula, lembrar que o conhecimento está em toda parte, sentir-se no mundo e responsável por ele. Diferente do ensino da leitura da palavra que encerra quando o aluno domina a escrita ortográfica, a leitura de mundo é contínua e continuamente somos atravessados por ela, não somente crianças, mas nós também adultos.

Uma professora, inicialmente resistente em fazer uma visita à biblioteca do bairro, teve sua leitura de mundo alterada quando diz que adorou essa aula passeio ao perceber o quanto a comunidade recebia com bons olhos essa atitude da escola e assim quanto os alunos corresponderam a esse olhar positivo que foi lançado sobre eles.

O incentivo deixa de ser somente o gosto pela leitura, mas envolve a questão da perspectiva: como ajo no meu bairro? Como deve me portar num ambiente de biblioteca ou nas ruas? Envolve também a questão sócio-política ao se buscar refletir sobre os aparelhos públicos presentes, ausentes ou subutilizados e procurar enquanto sujeito fazer parte desses equipamentos. Que continuemos com a leitura de mundo, escola dialogando com a sociedade e que avancemos para uma escrita que se faça enquanto enfrentamento ideológico. Da leitura para escrita, do interpretar o mundo para o agir no mundo.

* Ana Paula Ferreira é pedagoga e supervisora da rede estadual de ensino