Suicídio de cabo da PM motiva reações de parlamentares

O cabo da Polícia Militar de Minas Gerais, Leandro Cardoso Novais, já havia sido internado em hospital psiquiátrico por 37 dias e recorrentemente manifestava a intenção de tirar a própria vida, no entanto, chegou a ter atestado médico indeferido pela instituição. Ele recebeu no dia 10 de setembro de 2019 sua arma de volta e retornou à atividade policial. No último dia 16, Leandro apontou a pistola para si e apertou o gatilho.

O relato foi apresentado, nesta quinta-feira (7/11/19), por Denísia Barreiro da Costa Novais, viúva do policial, durante audiência da Comissão de Segurança Pública da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). A reunião, solicitada pelo deputado Sargento Rodrigues (PTB), apurou os fatos que antecederam o autoextermínio do cabo.

Leandro Cardoso Novais, que também deixou dois filhos, residia em Teófilo Otoni (Vale do Mucuri), onde atuava na 15ª Região da PM. Após ter sido submetido a processo disciplinar, devido à acusação de fazer “bico” para complementar a renda, foi punido administrativamente. Em seguida, foi transferido para a 14ª Cia Independente, em Araçuaí (Vale do Jequitinhonha), por ordem do coronel Sérvio Túlio Mariano Salazar, à época, comandante da 15ª RPM.

Desde então, segundo Denísia Novais, o marido começou a apresentar quadro severo de depressão e o ímpeto de cometer suicídio. Ela resgatou o histórico de consultas, laudos, exames, indicações de tratamentos psicológico e psiquiátrico e internação de Leandro e afirmou que ele se sentia extremamente infeliz e perseguido no âmbito da corporação.

Denísia conta que buscaram reverter a decisão junto à Polícia Militar, mas não obtiveram sucesso. Ela afirma que Leandro recebeu o “recado” de que se houvesse insistência, ele poderia ser transferido para cidade ainda mais distante de Teófilo Otoni. A distância entre a sua residência e o novo local de trabalho era de aproximadamente 230 km.

Por fim, eles apostavam na resolução do impasse pela via judicial, “mas Leandro não suportou esperar pela decisão”, lamentou Denísia. Para a irmã do policial, Débora Cardoso Novais, Leandro estava irreconhecível. Ela leu, com a voz embargada e em pranto, laudo psiquiátrico que descreve o estado de extremo sofrimento do policial.

Irmã e esposa ressaltaram que, em parte, o quadro de insônia, agitação motora, ansiedade exacerbada, perda de peso considerável, além das ideias de autoextermínio, se deve também “à desconfiança da instituição de que ele estaria dando o chapéu”, ou seja, fingindo-se adoecido para não comparecer à corporação em Araçuaí.

Denísia conta que, após o esposo chegar em Teófilo Otoni em surto, ela o levou ao atendimento psiquiátrico. O médico que o atendeu quis interná-lo e afastá-lo por 30 dias do trabalho. Ela firma que, nessa ocasião em especial, o atestado apresentado à PM não foi homologado, não foi aceito pela instituição. “Nesse dia, Leandro voltou para a casa transtornado”.

A viúva do cabo Leandro Novais pediu a ele que não retornasse às atividades depois que o marido se considerou exaurido pela situação. “Eles querem que eu diga que estou bem e eu vou dizer”, segundo ela, essas foram as palavras dele que a deixaram em alerta. O policial recebeu de volta a pistola e os cartuchos de munição que haviam sido recolhidos pelo seu superior durante o período em que esteve afastado do serviço operacional. “Este foi o atestado de óbito de Leandro”, lamentou Denísia Novais.

Medidas para mudar regras e cultura da Polícia Militar foram propostas

Sargento Rodrigues anunciou que vai levar o caso de Leandro Cardoso Novais ao Poder Judiciário. Conforme o deputado, o questionamento judicial da conduta institucional da Polícia Militar poderá de, alguma forma, forçar a instituição a enfrentar o cenário de sofrimento mental que tem acometido policiais, levando-os até mesmo ao autoextermínio.

Em 4 de outubro deste ano, a Comissão de Segurança promoveu audiência na ALMG, justamente, para discutir o aumento de suicídios entre os profissionais das forças policiais. Foi divulgado dado da ONG Defesa Social, de que, em 2019, 34 servidores já tinham cometido tal ato extremo.

O parlamentar afirmou que alterações legislativas, revisão das próprias diretrizes internas da PM e de sua cultura institucional são necessárias. Ele explicou que a transferência de Leandro Novais para outro município é uma prática recorrente na PM, assentada no objetivo de punir os policiais.

Além de sanções administrativas previstas pelo Código de Ética, dentre outras, dá-se aos comandantes da PM o poder discricionário de movimentar o policial conforme sua livre decisão, salienta Sargento Rodrigues.

Ele argumenta ainda que o Código Penal prevê até para o preso comum que esse deverá cumprir pena em local o mais próximo possível do seu núcleo familiar e que não poderá ser duplamente punido pelo mesmo crime. “Já os policiais são mandados para longe de suas famílias e recebem dupla penalização”, critica o parlamentar.

Representantes das entidades de classe dos policiais que participaram da reunião também se manifestaram quanto à necessidade de se criar, ao menos, critérios para pautar essas transferências. Nesse sentido, o policial Álvaro Rodrigues Coelho, presidente do Centro Social dos Cabos e Soldados da Polícia Militar e Bombeiros Militares de Minas Gerais, sugeriu que o deslocamento do policial em relação à sua residência observasse um limite entre 50 e 60 km.

Os deputados Coronel Sandro, Bruno Engler (ambos do PSL), Doutor Jean Freire (PT) manifestaram apoio aos familiares do cabo. Eles também se disseram preocupados com o número de suicídios entre os militares e se comprometeram a buscar soluções. 

Comandantes da PM afirmam que cabo recebeu assistência

O coronel Sérvio Túlio Mariano Salazar, que ordenou a transferência de Leandro Novais para Araçuaí, reconheceu que a medida foi baseada em normas da Polícia Militar, em especial, em memorando da instituição com orientações específicas a serem aplicadas em casos como o do cabo. O documento determinava que a movimentação fosse adotada como forma de punir os policiais.

Ele conta que o objeto da punição ao policial não se restringia à pratica de “bico”, mas que implicava desvio considerado mais grave. O comandante, contudo, não esclareceu do que se tratava. Sérvio Salazar afirmou que não foi procurado pelo cabo por qualquer familiar para tratar da transferência e que o encaminhou à Clínica de Psiquiatria e Psicologia da Polícia Militar assim que teve conhecimento do seu quadro.

Já em fevereiro de 2019, assumiu o comando da corporação (14ª Cia. PM Independente), em que estava lotado Leandro Novais, o major Rafael Duarte Muniz. Ele contou que, ao longo do período, nunca criou obstáculos para que realizasse o tratamento, liberado para consultas e exames,

O major afirma que, durante o período em que Leandro esteve na ativa, colocou o policial “na melhor escala possível”, como plantonista, para que pudesse folgar dias consecutivos e permanecer mais tempo junto à sua família em Teófilo Otoni.

Ele explicou ainda que, em 9 de setembro de 2019, recebeu parecer do setor responsável pela avaliação do estado de saúde, atestando que o policial estava apto a regressar ao serviço operacional. Por isso, foi lhe devolvida a arma.

O cabo teria dito ao seu chefe imediato, o tenente Borges, o seguinte: “Vivi um período muito tempestuoso e sombrio dentro de mim, mas, agora, estou pronto para o serviço”. Foi o que o tenente informou ao major Rafael Muniz.

A tenente Sumara Sucupira de Aguilar, perita do 44º Batalhão de Polícia Militar – 15 RPM e cardiologista, que atendeu Leandro Novais durante o período, disse que tinha ciência de que o caso dele era complexo e que exigia tratamento especializado. Ela conta que não chegou a homologar um dos atestados dele porque entendeu que o simples afastamento não era suficiente, encaminhando-o para a internação imediata.

Ela lembra também que chegou a homologar dispensa do armamento por seis meses até que a sua avaliação fosse feita pela Junta Central de Saúde, onde estão lotados os profissionais da PM que atuam nesses casos.

Perseguição – O tenente Fabiano Marinho, subcomandante da 14ª Cia. PM Independente, foi acusado pela esposa e irmã de Leandro Novais de ter empreendido contra o cabo atos de assédio moral. Elas afirmaram que o familiar teria dito várias vezes que esteve a ponto de matar o tenente. “Mas ele preferiu tirar a sua própria vida do que carregar esse crime nas costas”, disse Débora Novais. 

Sargento Rodrigues afirmou que já recebeu outras denúncias contra o subcomandante e cobrou apuração rigorosa das mesmas.

Marinho disse que é alvo de “denuncismo”. Ele afirmou que continuará fazendo o seu trabalho, investigando desvios dos próprios pares. Também ressaltou que mantinha com o cabo um relacionamento próximo e amigável. ” O Leandro era meu maior amigo. Estou sofrendo mais que a família”.