Os meninos da vizinhança

O jornalista Daniel Souza Luz escreve crônica onde relembra mais um capítulo da sua adolescência em Poços de Caldas

Na entrada do prédio onde morava, na rua Platina, após virarmos o corredor à esquerda – seguindo em frente chegava-se ao quintal onde penduravam as roupas nos varais – jogávamos uma brincadeira de bolinha de borracha, dessas pequenininhas que quicam muito, que inventamos da nossa cabeça.

Ficávamos sentados, não podíamos levantar, e batíamos na bolinha com a mão. Se passasse atrás dos jogares do outro time, era ponto. É como se fosse um goalball para pessoas sem dificuldades visuais.

Isso foi por volta de 1988, 1989. Pelo o que andei pesquisando o goalball já existia, não sei se alguém viu alguma reportagem a respeito e resolveu fazer semelhante. Só fui ouvir falar do esporte já nesta década. Pareceu-me algo espontâneo, inventado por alguns dos moleques da rua.

Eu, meu irmão, Márcio de Melo, Rodrigo Carvalho Passos, Evandro Godoy e Paulo Augusto Rodrigues (o único morador do prédio, além de mim e do meu irmão) eram os jogadores. Era divertido à beça.

Acho que minha mãe e a do Paulo achavam boa ideia, pois nem saíamos pra rua, estávamos nos divertindo num ambiente interno. Os vizinhos não gostavam muito dessa ideia não, pois tinham que passar por ali. Mas era sempre à tarde que jogávamos. Não dava nada.

No entanto, isso deve ter contribuído para elevar a tensão. Tinha mania de subir carregando a minha bicicleta a escada que dava acesso ao prédio e depois pedalar pelo corredor. Um dia dei de cara com um vizinho, freei a tempo, mas tinha chovido e ao derrapar taquei água nele. Fugi porta adentro. Não deu nada. Ainda.

Foram as meninas mais novas que nos superaram nas traquinagens. Elas acharam que era boa ideia tacar esterco do jardim na mesa de jantar de um apartamento térreo. Aí o tempo fechou. Minha irmã estava envolvida na molecagem. Foi aquele barraco.

Nessa época, passou na TV uma adaptação de O Meu Pé de Laranja Lima. Lembro até que fomos a uma exposição de carros antigos, na praça atrás do Palace Hotel, onde até hoje rolam eventos assim, e meu pai tirou fotos como se estivéssemos “morcegando” (pendurando-nos atrás e pegando carona clandestinamente, tal qual no livro) os calhambeques que estavam lá expostos.

Acho que todos nós, meninos e meninas, honrávamos as peraltices do Zezé, o protagonista do livro de José Mauro de Vasconcelos.

* Daniel Souza Luz é jornalista e revisor. E-mail: danielsouzaluz@gmail.com