O Regresso é obra de arte para diferentes gostos

O Regresso levou três Oscars, entre eles, diretor e ator

Avaliação do Editor

9.0
Avaliação 9.0

O crítico Marcelo Leme comenta sobre o filme O Regresso, que levou os Oscars de Melhor Diretor (Alejandro González Iñárritu, Melhor Ator (Leonardo DiCaprio) e Melhor Fotografia (Emmanuel Lubezki).

Ao final da sessão de O Regresso, duas ou três cenas ficarão guardadas na memória. A fotografia, aqui, tem a função de destacar a natureza e sua selvageria. As cenas marcantes, então, se baseiam nas captações do fotógrafo, em suas percepções do mundo em volta. Alejandro González Iñárritu, o diretor vencedor do Oscar 2016 por este filme, explora a arte de seus quadros e se aprofunda em longos planos, destacando seu protagonista frente a uma avalanche de tragédias.

No meio selvagem, entre homens e animais ferozes, os mais fortes sobrevivem. É a seleção natural. Mas, aqui, algo vai muito além: a motivação para se manter vivo; ou melhor, não se trata exatamente de se manter vivo, mas de ter a oportunidade de se vingar, ainda que isso custe a própria vida.

Leonardo DiCaprio levou o Oscar pelo papel
Leonardo DiCaprio levou o Oscar pelo papel

A contextualização é basicamente essa: Hugh Glass (Leonardo DiCaprio) e seu filho são os únicos sobreviventes de uma tribo. Ambos trabalham para um grupo de caçadores de pele. Em uma de suas buscas, enfrentam nativos americanos que os ataca impiedosamente. Nessa cena, um longuíssimo plano. Um exibicionismo estético? Que seja. O fato é que é extraordinário. Poucos sobreviventes lutam para se salvar em meio a um inverno brutal, em 1823. Sacrifícios são feitos em benefício da sobrevivência. Mas há que custo são feitos? É uma discussão que o roteiro abre, mas não se aprofunda por opção. Felizmente.

Em determinada cena, uma que não demora a acontecer, um urso aparece e avança cruelmente sobre Hugh. Uma longa cena, difícil de ser apreciada. Violenta. Brutal. Outro plano sequência. É para ficar na memória. O resultado são ferimentos gravíssimos. Fisicamente Hugh Glass parecia estar morto. Em momentos seguintes, quando o roteiro já havia apresentado todos seus personagens e explorado características e funções, outra coisa acontece.

E após outra. E outra. É um filme em que o caos prevalece em sequencias instantes e a beleza rumina por entender que aquilo é parte de uma natureza implacável, como leões e hienas disputando alguma carcaça. Em meio a oponência ratificada, dois grandes atores se sobressaem. Leonardo DiCaprio e Tom Hardy.

Leonardo DiCaprio não vive um de seus melhores papeis, mas atua com competência habitual, o que foi suficiente para lhe render o tão esperado Oscar de Melhor Ator. Já Tom Hardy me chama muito mais atenção. Juntos criam grandes momentos. E o que mais importa é o quanto eles conseguem trazer veracidade aos fatos que para nós é distante e fabulesco. Nesse sentido, ambos são funções para um filme que não frisa os personagens, mas o contexto o qual vivem. É por isso que a atmosfera sempre pesada é insistentemente trabalhada.

O Regresso levou o Oscar de Melhor Fotografia
O Regresso levou o Oscar de Melhor Fotografia

Iñarritu flerta com estereótipos a princípio, mas juntamente a fotografia de Emmanuel Lubezki (outro vencedor do Oscar 2016) e ao roteiro, abandona um possível maniqueísmo quando opõe os nativos e os caçadores de pele de maneira igual. Ambos são enquadrados e representados em tons idênticos numa coloração acinzentada; as personalidades não se diferem e ambos restringem-se a barbárie. Filmado com aproveitamento de luz natural, a cinematografia de O Regresso é um primor.

Só por isso já vale a espiada. Já o filme é longo e por vezes arrastado, mas inegavelmente belo. Tem a proposta de representar uma incrível jornada e a natureza que a cerca. Há nisso tudo um óbvio encantamento, justamente pelo fato da imagem dizer tanto, já que fascina. Em tese é um obra de arte para diferentes gostos, dando margem e motivos para diferentes formas de interpretação e compreensão.

* Marcelo Leme é psicólogo e crítico de cinema