A Oeste do Fim do Mundo traz vidas vazias nos confins da Argentina

Filme mostra a vida de duas pessoas isoladas em um posto de combustíveis

O jornalista João Gabriel Pinheiro Chagas Freitas comenta sobre o filme A Oeste do Fim do Mundo, coprodução entre Brasil e Argentina.

O que leva uma pessoa a se refugiar em um ponto esquecido nos confins da Argentina? Esta é a proposta de A Oeste do Fim do Mundo (2014), coprodução entre Brasil e Argentina, dirigida pelo brasileiro Paulo Nascimento.

Temos aqui um filme ao estilo road-movie, mas que não é fácil de assistir e que pode afugentar o grande público pela morosidade das cenas e pela forma arrastada com que se apresenta, já que predominam o silêncio, a solidão e a desolação, em contraponto com a beleza do lugar, cercado pela Cordilheira dos Andes.

A trama de A Oeste do Fim do Mundo apresenta a história de Leon (César Troncoso), um veterano da Guerra das Malvinas, que após receber a herança do pai, decide comprar um posto de combustíveis no meio do nada, em uma rodovia pouco movimentada na Argentina. Ao longo do filme, entendemos a motivação de Leon em optar pelo auto-exílio, mostrada de forma sensível e delicada, sem cair no didatismo.

No posto, quase nada acontece. Apenas eventuais clientes, que pararam para abastecer seus caminhões, movimentam a rotina entediante. No posto, além de Leon, somos apresentados a um dos poucos personagens do filme, o brasileiro Silas (Nelson Diniz), que se mostra como um “Easy Rider”, com direito a jaqueta de couro, barba por fazer, óculos escuro e Harley Davidson.

De tempo em tempos, Silas aparece no posto para trazer peças para a moto de Leon, que está em conserto. Apesar do choque cultural entre ambos, já que Leon fala em espanhol e Silas se arrasta em um portunhol, parece existir uma certa relação de amizade, pois ambos se ofendem “carinhosamente”, como fazem amigos que desfrutam de um certo nível de intimidade.

Mas ao contrário de Leon, Silas se apresenta como um personagem forçado e esteriotipado por conta do visual de motoqueiro errante, que tem como função principal quebrar o clima de isolamento do local, além de ser o elo entre o posto e o resto da civilização.

Já Leon cumpre bem a proposta de se mostrar como um sujeito introspectivo e solitário, que parece se esconder de alguma coisa. A atuação de Cesar Troncoso é contida, exatamente como pede o personagem. Mas as coisas começam a mudar quando aparece no posto a misteriosa Ana (Fernanda Moro), uma brasileira que está de passagem por ali, a caminho de Santiago, no Chile.

Ana é uma mulher angustiada e assustada, que procura refúgio assim como um cachorro em busca de abrigo e que parece não ter a menor pressa de chegar ao seu destino. Assim como no caso de Leon, o filme também mostra o porquê Ana está a caminho de Santiago, através de cenas de flashback que explicam o comportamento distante da personagem.

Tanto a vida insólita de Leon, quanto a busca de Ana por qualquer alento, acabam se complementando. Leon parece querer apenas sobreviver. Tem uma rotina que quase não muda. Ele se resume a atender clientes, fumar vários cigarros, almoçar e jantar refeições das mais simples, permitindo-se como uma única extravagância tomar uma garrafa de vinho, e contemplar o nada.

Ana, perdida em meio à imensidão do deserto árido depois de ficar sem carona na estrada, também parece apenas querer viver um dia de cada vez. Para sobreviver, ela se sujeita a ser destratada por Leon porque não sabe falar espanhol, aceita dormir em uma borracharia desativada ao lado do posto e a comer apenas quando é convidada por ele.

Todo o clima de solidão é reforçado pelos poucos diálogos entre os personagens e pela paisagem desértica que cerca o posto de combustíveis, criando um ambiente dos mais introspectivos, mas que se encaixa perfeitamente nas vidas vazia dos dois personagens.

A convivência forçada, no entanto, acaba humanizando os personagens e criando um vínculo até então improvável, o que demonstra que é possível haver esperança em meio ao vazio existencial daquelas duas almas.

* João Gabriel Pinheiro Chagas Freitas é jornalista e direitor do Jornal da Cidade. E-mail: joaogabrielpcf@gmail.com