Mais uma história de “amor”

Eu gosto do Henrique. O Henrique é grande. Meus braços são fracos. Minhas mãos pequenas. O Henrique é grande. E eu apaixonada. Antes era tudo bom e pacífico.

Quase sempre. Mas era bom sim. Era como nos filmes. Um dia… Um dia ele me bateu. Me bateu muito, sabe? Já tinha acontecido uma vez. Duas, quer dizer. Ou três. Acho… Mas essas coisas do coração são assim, complicadas. E homem é nervoso mesmo. Nesse dia não deu pra esconder as marcas. Sair na rua, comprar o pão. Dizer o quê pra minha mãe? Explicar o quê pro meu pai? Mas saí mesmo assim.

Era domingo e até as onze da manhã, nada de almoço no fogo. Ele dormiu após a briga. Eu fui comprar o leite e a carne. Um litro de um, um quilo do outro. Vou fazer bife a rolê. Ele gosta. É difícil servir e cozinhar pra quem machuca a gente. Mas a vida de casado deve ser assim também. Também… Eu gosto dele. Gosto. É isso. Vou fazer bife a rolê e arroz soltinho.

Ele vai ficar calmo e tudo se ajeita. É fase. Crise. Nervoso de trabalho. Os casais velhinhos de mãos dadas que vejo na praça devem ter passado por algo parecido. Permanecer é isso, né? Perdoar, perdoar e… Bom, vou fazer o almoço, temperar a carne e esquentar o leite pro café. Na cozinha eu me distraio. Esqueço as coisas e a vida vai seguindo. Ouço um barulho estranho atrás de mim. Um estrondo. O Henrique derrubando tudo o que estava em cima do armário.

Um olhar vidrado, enlouquecido. O meu celular na mão direita. Quem é Carlos?! Ele grita. Não respondi. Não respondi porque não deu tempo e também porque não sabia o que responder. Carlos… ah, sim. Carlos, o dono da loja que está precisando de funcionário. E como o Henrique está precisando de emprego eu peguei o número e nome no cartaz na frente da loja e registrei no telefone. Ia falar sobre isso ontem à tarde, mas brigamos e aí já viu. Eu penso nisso tudo do chão.

O Henrique continua gritando. Acho que ele me espetou várias vezes com alguma coisa porque apesar do frio do chão tem um monte de líquido quente que sai das minhas costas. Ah, já sei. Foi com a faca da cozinha. Ele continua gritando. Eu olho pra ele. Queria explicar, pedir pra ficar calmo, mas essas coisas acontecem tão rápido… Ele saiu correndo.

Acho que pela porta da frente mesmo. A minha vista tá embaçada. Tem uma ambulância lá fora zunindo bem alto. Eu sinto mais frio e fecho os olhos. O bife a rolê jogado num canto. Eu gosto do Henrique…

* Beatriz Aquino é atriz e escritora. E-mail: beapoetisa@gmail.com


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