Futebol, política e alienação

Uma das acusações mais frequentes relacionadas ao futebol é que a atividade tem um caráter “alienante”, isso é, faz com que as pessoas deixem de olhar para seus problemas reais e se percam nas paixões do “clube do coração”. Tal afirmativa é, muitas vezes fundamentada, mas nem sempre convencem.

Vamos citar dois exemplos recentes no Brasil. A sociedade brasileira tem demonstrado um sentimento generalizado de frustração ao desrespeito por seus direitos, particularmente aquele segmento que denominado “nova classe média”, que superou recentemente a linha da pobreza determinada por indicadores exclusivamente financeiros, mas continua enfrentando os mesmos problemas de má qualidade de atendimento na saúde, na educação, nos transportes e na segurança pública.

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As pesquisas indicam um desejo de mudanças sociais que não é canalizado para nenhum processo político bem determinado, mas se dilui em manifestações sem direcionamento claro ou se perde em gestos de violência e con-vulsão social. A violência nos estádios, as “guerras entre torcidas” podem perfeitamente ser vistas como uma “válvula de escape” para essas pressões vividas pelas pessoas em seu cotidiano.

Essa violência não é um fenômeno de hoje, nem algo exclusivo do Brasil. Provavelmente, os leitores conhecem os casos dos “hooligans”, torcedores fanáticos ingleses famosos pelos episódios de depredações e agressões que prota-gonizaram no passado. Casos semelhantes são conhecidos em todo o mundo.

Contudo, em todos esses casos, sempre são encontrados setores da sociedade que se sentem desrespeitados e ultrajados em seus direitos e acabam extravasando suas frustrações por meio do futebol. Nesse sentido, trata-se realmente de um fenômeno que faz com que as pessoas não procurem um canal político de luta por mudanças, mas se contentam com explosões de violência que não transformam a sociedade e só pioram a situação.

Por outro lado, os ataques racistas sofridos por alguns jogadores têm levado toda a sociedade brasileira a se posicionar contra o racismo de maneira reiterada. Nesse caso, os torcedores dão conta da dignidade inerente a toda pessoa humana quando veem um ídolo ser agredido pela cor da sua pele.

Quando voltamos os nossos olhares para a Seleção Brasileira de futebol, lembramo-nos da Copa de 1970, no México, quando o Brasil ganhou pela terceira vez o campeonato mundial. A ocasião foi destacada pelo que se considerou uma exploração política do futebol.

O País atravessava um dos períodos mais sombrios da ditadura militar, as liberdades democráticas estavam fortemente cerceadas, mas a população parece ter esquecido tudo quando o Brasil ganhou a competição. É inegável que se esperava que outras Copas pudessem ser capitalizada politicamente pelos governantes.

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Seria uma ocasião para mostrar ao mundo os grandes avanços do País nos campos social e econômico de um período recente, além de permitir que, diante da euforia e da alegria que sempre acompanham uma Copa do Mundo, o povo desse ainda mais apoio aos governantes. As manifestações contrárias à Copa e as notícias adversas ao Brasil que têm circulado na imprensa internacional mostram que o projeto de uso político das Copas não deu certo.

Em vez de “alienar” a população, ele a tornou ainda mais sensível a seus problemas atuais. Contudo, as manifestações contrárias à Copa podem se perder sem uma canalização política adequada. Sabemos que o problema não é investir em uma Copa do Mundo, mas sim gastar mal os recursos angariados com a arrecadação dos impostos. Além disso, a intensidade e o calor dos protestos não garantem uma mudança na sociedade.

Ao contrário, a violência das manifestações pode ser justamente uma explosão de descontentamento que não leva a nada, afastando as pessoas de um engajamento mais adequado em um processo de mudança que passa fundamentalmente pela educação. 2022 vem aí com muitas atividades sociais, políticas e esportivas. Vamos ver o que nos espera.

* Hugo Pontes é professor, poeta e jornalista. E-mail: hugopontes@pocos-net.com.br