Eu…

Eu, que nada mais tenho pra te dar, pois que já te dei tudo. Meu peito cálido e cheio de sonhos, minha voz macia de promessas, e a minha audaciosa boca que ousou dizer assim de pronto, eu te amo.

Eu que já te dei tudo. A fúria do meu grito. O último espasmo da minha loucura. Eu que te dei toda a minha força e também a minha mais frágil resistência. Eu que te dei o meu nome, minha data de nascimento e o meu futuro. Meu nome escrito assim nesse papel tão simples e falho onde dizem saber tudo de mim. Mas não sabem. Não sabem.

Eu que te dei todas as cores que eu guardava no baú da vida, o meu melhor sorriso, o meu melhor sexo e uma inédita capacidade de entrega e resiliência.

Eu que te dei o sussurro quente que sai dentre os meus dentes e o gritante desejo que mora entre as minhas pernas. Eu que te dei tudo sem reservas, agora me vejo nessa esquina escura do teu bairro, as mãos vazias nos bolsos fartos de bilhetes de amor e os dedos sem forças para pichar o teu muro.

Eu, nessa calçada áspera e dura, nesse vão frio que se fez quando escorreguei tão desavisadamente pra fora dos teus braços. Eu, tão trêmula e tão só. Tu, tão forte e tão ágil. Mas espero o julgamento. O dia do grande juízo final. Aquele que arrebatará todos os amores não vividos ou injustiçados e os colocarão, todos, uns de frente para o outro.

Eu e tu, no grande tribunal da vida. Ambos acorrentados por essa coisa chamada amor. Eu e meu peito vazio, as retinas vermelhas e as pernas tremendo de abandono. Tu de olhos enxutos e cínicos, intacto de mim. Íntegro e composto mesmo após a minha tempestade.

E as trombetas então anunciarão a grande sentença. O que farão de mim? Eu que te dei tudo? E o que farão de ti? Tu que não me deste nada?

* Beatriz Aquino é atriz e escritora. E-mail: beapoetisa@gmail.com


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