Controlar é colonizar
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Vicente, meu irmão, sempre foi uma pessoa calma, contemplativo, do tipo que gosta de se deslocar a pé ou de bicicleta.
Contudo, começou a trabalhar num local que dista nove quilômetros da sua casa e eu como irmã mais velha fiquei preocupada de talvez ele estar se esforçando demais para ir e voltar pedalando. O que fiz?
Convenci de que era melhor ter uma moto. Ele queria? Não! Eu achei que era insegurança, medo de ousar, falta de perspectiva de futuro, ausência de ambição e que era necessário da minha parte incentivá-lo, buscar que vivesse para além do tempo presente.
Consequência: a moto está no quintal com uma capa de chuva para protegê-la e meu irmão continua se transportando de bicicleta. Ele não precisou falar nada verbalmente, mas percebi o quanto minha postura foi colonizadora.
Avancei sobre o território de decisão dele, tal qual a Europa fez no mundo e considerei que a visão dele era errada, e, portanto, precisava ser superada. Quantas coisas me passaram na cabeça com essa história e que compartilho aqui.
Uma delas é o documentário “Escolarizando o mundo: o último legado do homem branco”, no qual é apresentada a ideia do quanto uniformizamos a educação num modelo ocidental, de produtividade, na arrogância que povos tradicionais necessitam de uma civilização.
Freud já dizia sobre o mal-estar na civilização que oprime nossos desejos e subjetividades, trazendo inúmeras infelicidades.
Diante de uma sociedade que gira em torno do capital, do mercado, ludibria-se que a liberdade está na aquisição de uma moto, transformando um desejo autêntico (liberdade) em um desejo de consumo.
Daí nos aprisionamos num trabalho alienado a fim de pagar uma dívida adquirida e depois de um tempo novamente volta a ausência de sentido, pois o consumo não preenche esse vazio. Por isso, grupos originários não são bem vistos pelo sistema.
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Não são bárbaros, mas quebram a lógica de consumo de “corrida para vender cigarro e cigarro para vender remédio”, tal qual cantava Engenheiros do Hawaii.
Vicente também rompe com essa ordem e não precisa gastar nem com moto, nem com academia porque não cedeu ao controle social e assim, permanece conectado com seu próprio ritmo e sem palavras, me fez refletir que embora eu defenda a liberdade, fui controladora, mesmo que eu critique o capitalismo, segui a bula produtivista.
O controle é colonizador. Em busca de uma produção insana, coloniza-se a terra, a natureza, os seres humanos, os corpos, as mentes.
Aumenta-se exorbitantemente o lucro de alguns perante a baixa qualidade de vida da maioria da população que fica apartada de usa história, cultura, escolhas.
O controle é o anabolizante para aumentar artificialmente os músculos; é o fertilizante químico que força as plantas no seu crescimento; é o hormônio aplicado nas vacas para geração de mais leite.
Controlar é aumentar a velocidade de modo alucinado, ao ponto de nos enchermos de afazeres e estarmos na “sociedade do cansaço”.
O contraponto do controle é o respeito ao ritmo da natureza, ao ritmo alheio e ao nosso próprio ritmo, tal qual a pulsação que precisa de uma batida regular, para manter a vida.
A observância desse ritmo traria uma educação mais atenta aos próprios estudantes para resgatar sua história e encorajá-los na resistência frente a monocultura curricular; contribuiria para uma sociedade que primasse pela preservação ambiental; acolheria as diversas formas de olhar o mundo como uma riqueza que temos para humanidade.
Controlar é minar escolhas, é diminuir o potencial criativo, é seguir na arbitrariedade de decidir pelo outro. Que eu consiga me lembrar disso, potencializando a autonomia e evitando outros tipos de motos guardadas na garagem.
* Ana Paula Ferreira é educadora. E-mail: anapaulakarenina@yahoo.com.br