Chico Lopes por ele mesmo

O mestre em Teoria Literária pela USP, Huendel Viana, faz entrevista com o escritor novohorizontino Chico Lopes, radicado em Poços de Caldas.

O escritor Chico Lopes respondeu de forma solícita a uma série de perguntas que lhe fizemos, abordando tanto sua prosa de ficção quanto de não ficção.

Trata-se de um escritor reconhecido nacionalmente, já tendo sido entrevistado por vários sites de cultura. Por isso descartamos perguntas de caráter introdutório. O leitor interessado não terá dificuldades em achar farto material sobre o autor na internet.

O sr. se realiza melhor como escritor de não ficção ou como escritor de ficção? Já fez esse tipo de balanço de sua obra?
Chico – É um terreno problemático. Creio que os escritores, como dizia Lygia Fagundes Telles, no fundo o que querem é ser amados. E assim a gente fica comovido quando encontra uma afeição autêntica do leitor por algum livro nosso. Eu não diria que me sinto melhor num campo do que em outro, sinto que escrevo sempre apaixonadamente, mas que há campos mais densos e problemáticos (a ficção, no meu caso, abraça a complexidade quase que por instinto) em que não espero encontrar empatia imediata.

A sua ficção, portanto, encontra mais resistência do leitor do que a não ficção?
Chico – Reconheço que minha ficção não tem pacto com a popularidade. Por vezes entendo que alguns leitores me achem sombrio. Mas, quanto a isso, que posso fazer? O que acho é que tenho muitos eus, contraditórios entre si, e que, na literatura como na vida, posso atrair simpatias ou ser considerado um caso antipático de taciturnidade. Penso que jamais serei um autor unanimemente amado, mas tampouco tenho certeza disso, porque respostas muito entusiasmadas a meus livros já me foram dadas.

Seu projeto de ficção visa desmistificar a província, revelando-a não como um lugar idílico, mas com problemas semelhantes aos da cidade grande. Poderia falar desse projeto?
Chico – Sim, isso me veio de uma leitura de adolescência, do “Eugênia Grandet”, de Balzac, que se abre com uma bela descrição da vida provinciana. Pensei a partir dali, vendo a Novo Horizonte (SP) em que vivia, que meu projeto seria contar o que não era mostrado – o que havia de atormentado e terrível por trás daquelas plácidas janelas. Eu sempre vivi em cidades do interior, então meu elemento é esse. Sinto que isso se resolveu muito bem em meus 3 livros de contos e em parte do primeiro romance. Mas achei necessário voltar a esse cenário com “Corpos furtivos”. E segue em frente, porque em meu terceiro romance, inédito, até dilato, com mais ambição, esse mesmo tema.

Um motivo recorrente para quem ambienta suas narrativas no interior é a relação conflituosa que se estabelece entre o morador e o forasteiro. Como isso se dá na sua obra? Quem são os seus personagens?
Chico – Acho que meus personagens são forasteiros não nesta ou naquela cidade, mas no mundo. São observadores estranhos e implacáveis de si mesmos e dos outros. Sempre me senti atraído por figuras proscritas, loucos, sujeitos socialmente inclassificáveis, pela simples razão de que o olhar lançado por elas desmistifica automaticamente as certezas falsas e comodistas de todos os outros.

O sr. é daqueles escritores que nutrem algumas obsessões. Uma delas são os pássaros; outra é o falo, explorado nos seus vieses mais carnais. Poderíamos dizer que sua poética emerge um pouco dessa relação do sagrado com o profano, do sublime com o baixo e transitório?
Chico –
Acho que outro projeto que tive foi este: eu queria mostrar toda a sordidez do mundo masculino, a absurda hipervalorização do falo entre homens. Isso me ocupa mesmo, porque percebo esse falocentrismo o tempo todo e vejo como ele dificulta, empobrece e infelicita as relações. Quanto aos pássaros, são uma mania adquirida em menino, eu quis ser um ornitólogo amador e sempre li muito sobre eles. Você toca num ponto importante ao falar desses polos opostos. Eu gosto de explorar essas contradições, de observar o descompasso entre o ideal e o real, esse fosso intransponível que alguns personagens meus querem cruzar, sem sucesso. O sexo aí aparece como uma mecânica infernal que mais atrapalha que facilita a comunhão.

Além de transitar por vários gêneros, do romance à poesia, o sr. ainda se dedica ao cinema e à pintura. Acredita que essa dispersão pode atrapalhar a evolução do escritor?
Chico – Já me disseram isso, para tomar cuidado com os perigos da versatilidade. Acho, porém, que um escritor que quer percorrer muitos gêneros faz tentativas que são perfeitamente válidas, ainda que possam não dar muito certo. No meu caso, o que quis evitar foi a monotonia de uma carreira muito linear, a classificação fácil (para críticos) num certo nicho. E mesmo em carreiras lineares sempre se preferirá um livro a outro de um mesmo autor. A gente tateia, eu acho emocionante um desvio de gênero, e em “O abraço dos cegos” fiz mesclas ousadas, até.

Como pensa o conto enquanto gênero? Preocupações formais estão no seu horizonte ou o conteúdo, o episódio que deseja narrar, é o mais importante?
Chico – Minha preocupação inicial era menos com o enredo do que com a linguagem e a atmosfera, muito influenciada por meu amor ao cinema. Tenho o hábito de dividir blocos dentro de um conto como em pausas de filmes, um “fading” aqui, outro ali, pra depois retomar a narrativa. E não gosto de desfechos que fechem a questão, sempre prefiro finais em aberto. O meu desejo é que as histórias pareçam não acabar ali, ou que acabem na ironia da irresolução própria da vida.

Quais contistas o influenciaram? Ou o cinema tem um papel mais relevante na sua formação?
Chico – Quando comecei a escrever contos mais seriamente, anos 70, Dalton Trevisan estava no auge, e eu queria imitá-lo. Outros contistas me foram seduzindo: Clarice, Machado, Poe, Tchékhov, mas também gente mais arriscada como cultores do fantástico, Borges e Cortázar. Percebi, a certa altura, que o realismo só me interessava enquanto maneira de pegar o leitor pela sedução de uma narrativa aparentemente clara e simples para fazê-lo mergulhar em infernos subjetivos e estranhezas radicais. Quero que o leitor mergulhe em situações desconfortáveis, que se interrogue, que se confronte com seus demônios.

“Corpos furtivos” leva essa situação ao limite do suportável, valendo-se para isso inclusive de novos recursos. Será que podemos ver aí o começo de uma nova fase? Poderia falar um pouco do seu projeto de romancista?
Chico – Meu primeiro romance era curto, quase uma novela, mas “Corpos furtivos” ambicionou abranger mais coisas. No terceiro, ainda inédito, pensei muito no que seria ter personagens sufocados por uma pequena cidade e aí foi inevitável que entrassem aspectos políticos e um painel social mais amplo. Mas não sei se isso prosseguirá, se significará uma nova fase ou não. Porque tenho também um quarto livro de contos a publicar em 2019. De modo que é melhor me caracterizar em zigue-zague permanente. Acho que estou condenado à versatilidade, por assim dizer.

* Huendel Viana é mestre em Teoria Literária pela USP. Ele escreve quinzenalmente no Jornal da Cidade. E-mail: caixazul@yahoo.com.br


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