Newness: torrentes de paixões, via match

O crítico de cinema Marcelo Leme comenta sobre o filme da Netflix

Há muito a se discutir sobre Newness, novo filme de Drake Doremus, cineasta com apreço por trabalhos que envolvem relacionamentos amorosos.

Neste, um casal se forma graças a um aplicativo de paquera desses que apresentam um menu de pessoas. O que era uma pre-tensa relação casual acompanhada de uma transa eventual, transforma-se em algo sério quando percebem que há um recíproco interesse. Paixões causam estranhezas.

O casual torna-se compromisso. Estar emocionalmente vinculado a alguém e abrir mão de outros relacionamentos tem um preço difícil de ser bancado em tempos digitais. É o que Doremus mostra, sendo especialmente feliz por não cair na armadilha de amaldiçoar um dos lados: o relacionamento aberto ou a monogamia.

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Há algumas questões que contribuem para que relacionamentos a dois deem certo. Há um contrato entre as partes. Também há um contrato no relacionamento aberto. E como é seguir as regras desse contrato? Acompanhamos bem de perto a experiência da dupla Martin e Gabi, o casal que está (re)descobrindo como é essa história de dedicação um ao outro, criando imposições até quando decidem se libertar sob rédeas distendidas.

Martin e Gabi precisam vencer suas individualidades: há interessantes planos que opõe o casal, com cada um empunhando seu celular, este que é um personagem objetal importante para o desenrolar da trama e representativo quando evidencia o núcleo de relações dispostos em imagens de estranhos.

Os usuários são fascinados por seus universos limitados a configurações. Na cama, opostos, o casal iluminado pela luz fria dos smartphones, demonstra o abismo que lhes separam. Acho inteligente a preocupação dos realizadores em trabalhar com a luz oriunda dos aparelhos, favorecendo a fotografia rarefeita e atmosférica.

E na escuridão, convivem com o sentimento obscuro, com a incerteza do que realmente querem. A obra até parece sujeita ao voyeurismo por nos colocar no papel de observadores e endossar sua narrativa com detalhes íntimos em várias cenas. Há forçadas construções de personagens cujo grande intuito é tentar justificar quem são e as razões pelas quais possuem dificuldade de funcionarem juntos: ele, que já foi casado; ela, que lembra sua iniciação sexual.

São assuntos que roubam a alegoria emocional figurativa para tratar a origem do comportamento da dupla. Há justificativa demais onde não se precisa, já que Martin e Gabi ficariam muito mais interessantes enquanto representações contemporâneas de como estão se dando relacionamentos e não estudos específicos de seus personagens. Se relacionar através de aplicativos é benéfico ou maléfico, que o espectador se vire com isso.

Newness também é um filme bastante sexual e até sensual. Drake Doremus dedica-se em mostrar seus personagens, em captar seus prazeres e também suas frustrações. Destaca-se a espanhola Laia Costa, atriz que ganhou holofotes devido ao seu papel no engenhoso Victoria (Victoria, 2015), vivendo a personagem título.

Ela contracena com Nicholas Hoult, ator que repete parceria com o diretor. Há muito complexidade temática em um filme que parece não dar conta de aproveitar todo o potencial que tem. É fácil se aproximar de Newness, já que ele dialoga muito bem com a con-temporaneidade, com qualquer pessoa que tenha vivido qualquer caso a partir de redes sociais e especialmente com aqueles que marcaram encontros às escuras.

A novidade, a apreensão, o interesse e o desejo… sensações correlatas encontradas em quem se apaixona, não im-porta de qual forma. São novos tempos. Novos meios. Novas interações. Novos afetos. E as insatisfações se adaptam.

* Marcelo Leme é crítico de cinema, roteirista e curador do FestCine Poços de Caldas. E-mail: marceloafleme@gmail.com