Mulher Maravilha resgata dignidade da DC

Filme é justo e coerente ao universo de uma das principais personagens da editora

O crítico Marcelo Leme comenta sobre o novo filme da DC Comics, Mulher Maravilha, considerado justo e coerente com o universo da personagem.

Mulher Maravilha não é uma completa maravilha, mas é um filme justo e coerente ao universo dessa tão importante personagem. Também resgata a dignidade da DC, abalada após os infelizes Batman vs Superman e Esquadrão Suicida. Ainda relega a composição de sua personagem enquanto secundária, elevando-a tematicamente a um protagonismo imperativo e figurado a condição social das mulheres, em tempos de tantas e necessárias discussões sobre igualdade.

Eis um imprescindível estigma de nosso tempo que o cinema se apropriou e já eternizou na memória. Há quem tenha ido com baixa expectativa. Isso contribui com surpresas e consequentes satisfações. Há quem tenha torcido o nariz antes mesmo do trailer ter sido lançado, pois tratava-se de uma heroína. Isso traz ecos do que o filme demonstra ao contextualizar a sociedade machista do início do século XX.

Mas o filme, ainda que se debruce para o empoderamento feminino, não levanta bandeira e naturaliza o tema com boas sacadas e recursos do roteiro que ressaltam o descobrimento do mundo por parte de Diana Prince, a Mulher Maravilha. Só por isso já tem relevância, mas filme algum deve ser composto apenas por mensagens ou militâncias. É preciso mais. Aqui há mais!

O arco inicial do roteiro, por exemplo, é inteligente ao ligar aos eventos de Batman vs Superman, levando-nos a acompanhar um flashback procedente de lembranças desencadeadas por uma fotografia. Através disso conheceremos a origem de Diana Prince, seu passado entre as amazonas, sua relação com cultura grega – planos deslumbrantes recontam a adaptação de um mito – e o que levou-a a testemunhar e combater durante a primeira grande guerra, junto a Steve Trever, um espião.

A história é contada de maneira simples, equilibrando a rigidez visual característica de produções da DC com cenas de humor pontuais favorecendo alguma descontração – nesse sentido, há excessos desnecessários, como a presença de uma secretaria pitoresca que vem aliviar tensões em instantes que não há tensões.

Deve ter saído de alguma sitcom. A passagem de Diana por Londres e a maneira que percebe o mundo é bastante interessante, especialmente quando questiona morais as quais não estava condicionada. Uma Kaspar Hauser sem amarras, que observa o mundo com um outro olhar.

Dirigido pela cineasta Patty Jenkins do excelente Monster – Desejo Assassino, parece bastante clara sua influência quanto a moralidade temática, ainda que o roteiro não a credite – aliás, só homens o escreveram (Geoff Johns, Allan Hein-berg e William M. Marston, a partir do argumento de Zack Snyder). Jenkins dá total atenção a protagonista, fazendo questão de ignorar completamente outros heróis para focar unicamente na heroína.

Não acho que se dê tão bem com os atores, já que sub-aproveita grandes nomes, tal como Elena Anaya. Isso desperta curiosidade, já que no citado Monster, sua direção de atores foi um diferencial. Todavia, aqui, mostra-se eficiente ao conduzir a ação e contrapor cenas aflitivas com outras emocionantes. Jenkins também tem a seu favor Gal Gadot, que ainda não é uma grande atriz, mas que assumiu com competência a cultuada Mulher Maravilha.

Não é algo fácil de se fazer. A suntuosidade e postura da atriz triunfam sem precisar decorar textos longos ou demonstrar um melhor desempenho cênico. Seu sorriso desarma qualquer vilão e ganha a simpatia do espectador. Mulher Maravilha, portanto, é muito mais que uma mera obra baseada em algum super-herói, é um filme de espionagem, de descobertas e de emancipação.

Há alguns discursos sofríveis sobre amor e paz, evidenciando os instantes mais lamentáveis do roteiro. Todavia, esses instantes ficam de lado frente ao show visual das cenas de ação que são possíveis de serem compreendidas, ainda mais as que ocorrem durante a guerra. O excesso de CGI quase estraga a experiência quando próximo ao final. Quase! E virá mais. E dessa vez com mais a dizer.

* Marcelo Leme é psicólogo e crítico de cinema. E-mail: marceloafleme@gmail.com